sábado, 26 de novembro de 2011

MÉTODO GDS - "RESPIRAR É PREENCHER ESPAÇOS"



Atendo um paciente com problema de quadril, cujo ortopedista indicou fisioterapia antes de reavaliar a necessidade de cirurgia. Durante a última sessão, ele relatou que está percebendo uma redução progressiva da dor. Contente com o precoce resultado e com a possibilidade de "escapar" da cirurgia, ele me fez a seguinte pergunta: como os fisioterapeutas estudam o "físico" na faculdade? A pergunta me soou um pouco ambígua, então aproveitei o modo como ele a elaborou para utilizar um "jogo de palavras". Assim, dei andamento ao assunto desta maneira: ao te prescrever uma medicação anti-inflamatória, seu médico está esperando um resultado na bioquímica dos tecidos que estão sofrendo uma irritação mecânica. Ele também indicou meu trabalho, pois acredita que a fisioterapia irá favorecer uma resposta física, ou melhor, biofísica. Fisioterapeutas, Educadores Físicos, Psicomotricistas e Terapeutas Ocupacionais são profissionais que trabalham com a "física", embora "físico" possa ser um sinônimo da palavra corpo, e o corpo seja o campo de atuação de todas essas profissões.

Vou te explicar melhor ... e continuei o diálogo com meu paciente construindo todo um pensamento. 

No colégio, mais especificamente no ensino médio, você certamente aprendeu diversos conteúdos das "ciências", que podemos transportar para a sua compreensão da fisiologia. Por exemplo, todas as estrutura do corpo apresentam propriedades elásticas distintas. Se eu me refiro a algo que é elástico, é porque sofre variação de comprimento. Para o nosso sistema biomecânico, comprimento está relacionado a uma maior alavanca e, por sua vez, maior capacidade de geração de força. Você se lembrar de Arquimedes? Acredito que não tenha conhecido muitos com esse nome! Este, a quem me refiro, viveu na Grécia há mais ou menos 250 a.C. Foi dele a célebre frase: "Dê-me um ponto de apoio, e moverei o mundo".


E a Lei de Boyle-Mariotte? Esses nomes não são estranhos, não é? Robert Boyle e Edmé Mariotte foram dois cientistas que aparentemente não se conheceram. O primeiro era inglês e o outro, francês. Ambos trabalharam na mesma época e, curiosamente, sobre o mesmo tema. Eles obtiveram o mesmo resultado em suas pesquisas. Por esta razão, a lei de compressibilidade dos gases é conhecida pelo nome dos dois autores. Do que se trata o assunto ? À temperatura constante, o volume ocupado por determinado gás é inversamente proporcional à sua pressão. Assim sendo, se duplicarmos a pressão, o volume será reduzido pela metade (p1xV1 = p2xV2 = constante; p=pressão e v=volume). Qualquer que tenha sido o ano em que você prestou vestibular, com certeza este assunto fez parte de sua prova!


Vou ilustrar isso, agora, para fazer uma ligação com os dois últimos textos que escrevi ...


Tente visualizar uma garrafa aberta para a entrada dos gases atmosféricos. Essa garrafa contem um êmbolo transversal que divide este recipiente em uma câmara superior e outra inferior. Esse êmbolo é móvel e quando você realiza um trabalho para descê-lo dentro da garrafa, essa ação aumentará o volume da câmara imediatamente acima dele. Por sua vez, o volume da câmara de baixo será reduzido, mas a massa não sofrerá alteração. Certo? Acontece que quando a câmara tem o seu volume reduzido sem que ocorra variação da massa, necessariamente teremos aumento da pressão em seu interior.

A partir dos fenômenos que constatamos pelas leis na física, fica mais fácil observamos a biomecânica, e neste caso específico, compreendermos melhor o que se passa no sistema respiratório. Pense, agora, que essa garrafa é a região tóraco-abdominal e o êmbolo é o músculo diafragma. Como sou seu amigo, deixo para você a possibilidade de escolher se a garrafa será de vinho cabernet sauvignon, de Whisky "paraguaio" ou uma pet 2 litros de refrigerante "não importa a marca". Brincadeiras à parte, as leis da física ocorrerão, quaisquer que sejam as garrafas. Porém, devemos ter em mente que a diferença de tamanho das câmaras das garrafas, a disposição do êmbolo e, uma coisa que não foi mencionada, que é o fator de complacência da própria garrafa, afinal a de vinho é feita de um material diferente da pet de refrigerante, poderão interferir na mecânica pressão X volume quando compararmos os diferentes tipos de garrafas.


Vamos transportar isso para os nossos conceitos GDS... Comparar nossas diferentes "garrafas tóraco-abdominais".

Cada tipologia vai fazer um "desenho" dentro da linha de referência GDS. Como as massas e intermassas são interdependentes, ao se posicionarem no espaço, estarão sujeitas aos acordos de nossas cadeias musculares. No último texto disse que PA é a nossa estrutura biomecânica de referência, mas que não devemos considerá-la como um ideal a ser buscado. Ainda mais, por que é impossível encontramos indivíduos arquetipicamente "puros". Nós somos a combinação de todas as estruturas e seus ajustes. Afinal, podemos encontrar alguns ajustes fisiologicamente úteis, enquanto outros estão no nível do aceitável ou, até mesmo, estarem extremamente desorganizantes. 

O que observamos nessa estrutura de referência "ideal"? Em PA com AP, observamos, no plano sagital, todas as massas alinhadas ao eixo de referência GDS. PA coloca ponto fixo em cima na inspiração e AP flexibiliza as intermassas devolvendo as lordoses funcionais durante a expiração. A oitava vértebra torácica estará sempre no ápice da cifose por que AM estará presente em seu feudo, imprimindo sua marca útil. A PM quando útil, por sua vez, agirá no seu feudo que é o membro inferior, verticalizando o ilíaco e o sacro. PL terá uma dupla função na bacia, imprimir a rotação externa nos fêmures e ao mesmo tempo controlar o fechamento dos ísquios. AL ancorará a cintura escapular à bacia. Ela constitui o elo de passagem da tensão entre as cadeias articulares do membro inferior e superior. Sendo assim, temos os feudos de todas as cadeias musculares imprimindo suas marcas úteis, imprescindíveis para a boa fisiologia. Não podemos esquecer que os pivôs precisarão estar livres para as recorrentes recuperações dos desequilíbrios.


O que aconteceria se esse PA entrasse em excesso? Seja em uma PA isolada ou em competição com AP, o tórax terá a forma de um tonel pois estará suspenso à coluna cérvico-dorsal. A pressão na "garrafa tóraco-abdominal" será grande na câmara superior e, também, na inferior. Como tudo está suspenso, nossa fáscia endotorácica impedirá a descida do centro frênico, que corresponde ao nosso êmbolo. As fibras musculares do diafragma assumirão esse ponto fixo que estará mais alto, confirmando a elevação das costelas que também tiveram a ajuda dos intercostais. Qualquer trabalho para reequilibrar a hiperpressão tóraco-abdominal, sem antes devolver a ritmicidade de PA e AP, sobretudo na região cervical, será de pouca valia. 

A PM em excesso coloca nossas massas anteriormente à linha de referência GDS. Com relação ao tórax, este caracteriza-se por seu grande diâmetro ântero-posterior. O diafragma, coitado dele, acompanha anteriormente a horizontalização do esterno, levando consigo o centro frênico para uma posição mais anterior. Resultado: bloqueio inspiratório. A porção vertebral do diafragma toma ponto fixo embaixo pela retificação da coluna dorso-lombar. Resultado 2: bloqueio expiratório. Diferente de PA, que tem excesso de atividade do transverso do abdome, PM tem um abdome flácido. A pressão na câmara superior de nossa "garrafa" estará altíssima, enquanto na câmara inferior, diminuída. Pessoas com esta característica tipológica irão trabalhar exaustivamente o abdome sem sucesso. Se você se "espanta" com o volume anterior do tórax e com o tamanho da "barriga", que tal primeiro, observar o que se passa na região tóraco-lombar?  Talvez trabalhar o enrolamento anterior do corpo sobre uma bola suiça para tirar o excesso de tensão posterior e buscar, em seguida, reprogramar a verticalização do ilíaco, do sacro e do esterno seja um bom começo. Concorda ?

AM em excesso, diferentemente de PM, colocará nossa "garrafa" atrás da linha de referência GDS. Além disso, se caracterizará pela diminuição do diâmetro ântero-posterior. Combinado com AL, teremos, também, a redução do diâmetro lateral, mas com PL, podemos dizer que estaremos diante de um tórax paradoxal, uma vez que encontraremos um aumento do diâmetro lateral. De qualquer maneira, o diafragma assumirá uma posição mais baixa em função da ação cifosante imposta, principalmente, pelo reto do abdome e peitoral maior (feixes esternais e abdominais). A pressão na câmara superior de nossa "garrafa" estará baixa, diferente da inferior que se encontrará bem alta. Sendo assim, a descida do centro frênico só será possível trazendo consigo a coluna dorsal que progressivamente se fixará em uma grande cifose. Quem sabe, o trabalho deva ter início pela redução da pressão da parte inferior da "garrafa" antes de dirigir as atenções para a câmara superior ?  Lembre que esse indivíduo pode estar fixado em uma cifose e algumas estruturas intratorácicas podem estar bem encurtadas. Algumas vezes, a posição em decúbito dorsal na maca pode ser o suficiente para deflagrar algumas reatividades. Uma almofada em triângulo ajuda muito nesses casos. 


E o AP? Pessoalmente, acredito que seja a tipologia mais difícil de se trabalhar. Com relação ao tórax, encontra-se achatado por falta de ação muscular. Por essa razão, tem uma característica astênica. A respiração é predominantemente abdominal pela ausência de suporte mecânico. Nessa tipologia se faz necessário um verdadeiro trabalho de construção estrutural. Coloque o paciente de pé, crie a sensação do suporte ósseo de PM, a percepção da base e do volume corporal de AM, e a noção de eixo e ritmicidade de PA com AP. 

Para finalizar: Philippe Campignion afirma que a respiração está intimamente ligada à mecânica global do corpo e, sobretudo, que respirar é preencher espaços. O autor deixa claro que "tipologia não é defeito". As particularidades respiratórias encontradas nas diversas estruturas arquetípicas não correspondem a desvios patológicos, e é extremamente importante compreender que a forma não necessariamente configura um problema. O excesso, porém, pode levar na direção de um quadro patológico.

Respir-Ações ... Meu livro predileto!!

OBS: "o meu também"!!

Silvana Souza


Abraço,

Alexandre de Mayor


Bibliografia

. Campignion P. Aspectos Biomecânicos - Cadeias Musculares e Articulares - Método G.D.S. - Noções Básicas. São Paulo: Summus; 2003.

. Campignion P. Respir-Ações. São Paulo: Summus; 1998.

 
Design by Free Wordpress Themes | Bloggerized by Free Blogger Templates | Walgreens Printable Coupons