A associação entre certos distúrbios da coordenação motora e transtornos de comportamento fazem com que o fisioterapeuta se depare, muitas vezes, com pacientes infantis que apresentam sintomas ligados à má construção da imagem do corpo, com queixas comportamentais por parte dos pais e da escola, e até mesmo com diagnósticos de doenças psíquicas. Ao tratar a queixa motora de tais pacientes, este fisioterapeuta não deveria desvinculá-la dos aspectos psico-comportamentais envolvidos.
Este artigo pretende relatar o caso de um paciente pediátrico, cujo tratamento fisioterapêutico seguiu os preceitos do método GDS de Cadeias Musculares (Struyf; Campignion,). Espera-se contribuir para o debate sobre o papel do fisioterapeuta em um modelo ampliado de assistência, que leve em conta conceitos como globalidade e integralidade.
Este tema já foi nosso objeto de estudo em pesquisas anteriores e aponta para o método GDS como estratégia de tratamento privilegiada neste contexto, exatamente por lidar com a questão da globalidade de forma extremamente abrangente. Nossa fundamentação teórica se fará a partir da literatura do método GDS e de marcos teóricos do campo do desenvolvimento psicomotor.
Foco de nossa escolha terapêutica, o método GDS é um método global de fisioterapia e de abordagem comportamental, de prevenção, de tratamento e de reeducação, baseado sobre a compreensão do terreno predisponente. É ainda um método de leitura corporal e tratamento das disfunções do sistema locomotor, que propõe uma abordagem global do corpo a partir da relação entre os aspectos psico-comportamentais e a atitude postural. A fundamentação teórica do método dedica uma especial atenção ao desenvolvimento psicomotor, pois considera que a atitude e as marcas corporais, assim como a chamada pulsão psico-comportamental, se constroem desde a concepção, a partir de múltiplos fatores (genéticos, comportamentais, psíquicos, culturais, históricos, ambientais, etc.). Neste processo, os primeiros anos de vida são de fundamental importância, pois é neste momento que as cadeias musculares e as estruturas psicocomportamentais vão se instalar – no corpo e no psiquismo – e estabelecer as relações entre si, seja
de maneira saudável ou patológica.
A idéia de imagem do corpo como a imagem tridimensional que temos de nós mesmos, uma percepção de unidade corporal que nos é dada a partir das sensações táteis, cinestésicas e visuais. Esta imagem se organiza como núcleo central da personalidade a partir da relação com o meio. Embora se possa distinguir teoricamente os termos imagem e esquema corporal, adotamos a opção de certos autores por considerar o conceito de imagem do corpo como uma função abrangente que engloba ambos os aspectos.
De fato, a dissociação entre a perspectiva neurofisiológica, que caracteriza o esquema corporal, das questões psíquicas, que envolvem o conceito de imagem corporal, cria uma dualidade que se opõe à nossa visão de globalidade. O método GDS parte do princípio de que o locomotor, o visceral e o psico comportamental se mesclam permanentemente, de múltiplas maneiras, o que significa que a psicossomática é apenas uma das diversas vias possíveis. Este conceito se conecta ao pressuposto de Piret e Béziers de que ”todo gesto é carregado de psiquismo, e o investimento do fator psicológico no movimento é análogo ao da motricidade no psiquismo”. Struyf e Campignion defendem a idéia de que o motor primário da atitude postural é a pulsão psico-comportamental, mas que, em contrapartida, a cristalização desta atitude no corpo pode influenciar o comportamento, constituindo uma via somato-psíquica. Neste sentido, as teorias de Schilder também corroboram com os preceitos do método GDS. O autor considera os padrões psicológicos como uma tendência e uma função, ao invés de um fator estático. Para ele, os processos emocionais geram, fortalecem e dirigem os processos de construção do padrão da imagem corporal, auxiliados por sensações e pela percepção.
Schilder postula, ainda, que o movimento e a dança contribuem positivamente para diminuir esta cristalização, pois o modelo postural se altera a cada gesto, dissolvendo a figuração inicial - fixada - e possibilitando ao corpo a permanente recriação de seus esquemas. Para ele, “a diminuição da rigidez da imagem corporal trará consigo uma determinada atitude psíquica. Assim, o movimento influencia a imagem corporal e nos leva de uma mudança da imagem corporal a uma mudança de
atitude psíquica”. É por esta via que se configura a intervenção do fisioterapeuta praticante do método GDS, frente a pacientes que apresentem uma demanda psíquica muito evidente. A abordagem direta das questões ligadas ao psiquismo foge ao campo de trabalho deste profissional, porém, para que o olhar seja realmente globalista, é necessário que a via somatopsíquica seja contemplada. Para tanto, o método disponibiliza uma multiplicidade de estratégias terapêuticas.
O caso que será aqui abordado refere-se a um menino de 8 anos, que chamaremos pelo pseudônimo de Leo. Ele chegou a receber um diagnóstico de autismo, refutado pela psicanalista responsável por ele durante o período de seu tratamento fisioterapêutico, ainda que apresentasse transtornos psíquicos bastante importantes. No plano motor, seu encaminhamento se deu a partir da queixa paradoxal da mãe: ”é uma criança muito agitada, porém muito passiva”; e do professor de educação física: “ele é ótimo no cognitivo, porém “vai mal no motor”. Em nossa experiência clínica, observamos, em diversas ocasiões, que uma causa frequente de encaminhamento de crianças ao fisioterapeuta é a questão da agitação excessiva (muitas vezes diagnosticada como transtorno do déficit de atenção com hiperatividade), geralmente associada à dificuldade na relação espacial (a criança esbarra nos móveis, está sempre cheia de hematomas, etc.).
O relato da mãe de Leo, na primeira avaliação, descreve uma criança que demanda sua atenção em tempo integral. Ela fala sobre as dificuldades na socialização (Leo não é “popular” na escola, como o irmão mais novo). Diz que Leo gosta de brincadeiras, mas somente se não houver regras estabelecidas, pois ele não gosta de regras. Relata com preocupação o fato de Leo fantasiar muito, ter amigos imaginários. Durante o tratamento fisioterapêutico, foi possível entrar em contato com este “mundo imaginário”, recheado de personagens constantes na vida de Leo. A mãe comenta, também, sobre os desenhos do filho, que revelam grande agressividade e violência. Sua maior preocupação parece ser, entretanto, a performance social de Leo, sua popularidade, sua aceitação, a opinião da família sobre o menino. Leo estuda em uma escola tradicional, de orientação religiosa, frequentada pela comunidade social da qual sua família faz parte. Leo apresenta bom rendimento escolar, pois é uma criança extremamente inteligente, com um fascínio especial pela matemática. É capaz de fazer cálculos muito complexos para sua idade, e se mostra vaidoso por esta habilidade.
De fato, se por um lado o seu relacionamento social é difícil, ele se faz respeitar por sua inteligência. A mãe refere ainda que seu filho detesta beijos. Ele se permite abraçar, mas nunca beijar. Tanto ela quanto o próprio menino relatam que ele detesta atividades físicas, especialmente o futebol. O pai nunca compareceu ao consultório, e discorda que seu filho necessite de tratamento.
No método GDS, considera-se que existem três estruturas que constituem o eixo vertical, ou eixo da personalidade fundamental: AM, PM e PA (figura 1). Estas estruturas, ligadas ao plano psico comportamental, encontram-se em paralelo com atitutes posturais que se constroem a partir da ativação de encadeamentos musculares específicos, cuja localização no corpo dá origem às siglas que denominam tais estruturas (respectivamente, ântero-mediana, póstero-mediana e pósteroanterior). Durante o desenvolvimento psicomotor da criança, e mesmo durante o período gestacional, cada uma destas estruturas se organiza em uma sinergia permanente entre o plano motor e o psíquico.
Especialmente na criança, o desenvolvimento motor não se encontra, em nenhum momento, desatrelado do desenvolvimento psíquico. Tendo construído a base das três estruturas da personalidade, em seu corpo e seu psiquismo, a criança poderá vivenciar uma multiplicidade de experiências.
A estrutura AM, que no corpo é representada por músculos predominantemente situados na região ântero-mediana, é a primeira a se organizar, e de sua boa construção depende primordialmente a saúde psíquica do indivíduo que está se formando. A estruturação do AM está ligada à constituição do ego e do self, isto é, da noção de existir, percepção de si como um corpo integrado, da sensação de habitar este corpo. A maternagem, os cuidados com o bebê, o toque, o olhar e todo o conjunto de manifestações de afeto por parte da mãe ou cuidadora nutrem este AM e contribuem para toda esta construção.Winnicott, pediatra e psicanalista britânico que se dedicou a examinar os primeiros passos do desenvolvimento humano, afirmou ser fundamental que o bebê tenha suas necessidades físicas e afetivas tão bem acolhidas, que experimente a ilusão de existir em unidade com o meio que o acolhe. Dito de outra forma, no início, do ponto de vista do observador, existe uma dupla, porém, do ponto de vista do bebê, há uma unidade mãe-bebê. Os cuidados prodigalizados pela mãe dedicada comum promovem a integração das diversas partes do corpo e, ao mesmo tempo, o reconhecimento de que esta unidade “é o bebê”. Trata-se de dois fenômenos fundamentais para a estruturação e o desenvolvimento do self: integração e personalização. A essa altura, o bebê pode
sentir-se ele próprio, bem como podemos afirmar que uma psique habita um corpo.
Progressivamente, ele adquirirá, também, o domínio sobre a consciência de espaço e tempo. É importante ressaltar a importância da pele neste contexto. O toque da mãe vai criando no bebê a noção de contorno, de limites corporais, o que será fundamental na constituição da imagem do corpo e, em última análise, da organização deste AM, tanto do ponto de vista muscular quanto no desenvolvimento emocional. Segundo Piret e Béziers, “a sensação da forma da pele se vincula à imagem de nosso próprio volume e de seu movimento. A manipulação da pele permite recuperar as imagens correspondentes. Sensibilidade profunda e pele nos permitem perceber a forma de nosso corpo”. A mãe suficientemente boa, descrita por Winnicott, seria aquela capaz de nutrir suficientemente o AM de cada bebê, para que a criança integre o psique-soma, imprimindo em seu corpo as marcas mecânicas fundamentais deste encadeamento muscular e possa passar para a etapa seguinte. Se a estrutura AM corresponde simbolicamente à imagem da mãe, PM está ligada à figura do pai. AM dá ao bebê seus limites corporais, mas PM representa os limites externos, a lei, as
regras. No corpo, o encadeamento muscular se situa predominantemente na região póstero-mediana. Trata-se do encadeamento muscular responsável pela verticalização, pela estação bípede. No plano comportamental, vincula-se à ação, à performance, ao conhecimento, ao intelecto, à liderança, à realização de projetos, ao olhar para o futuro. Entretanto, se AM não tiver se construído adequadamente, esta PM pode levar a uma agitação excessiva, uma valorização extrema da performance e do “parecer”, uma permanente ansiedade, uma descorporalização. Sem a boa AM, não há boa PM, e a criança pode perder a noção de limites (corporais e sociais) e até mesmo sua percepção de existência.
A estrutura PA é representada, no corpo, por músculos situados profundamente no tronco e pescoço, com uma direção de fibras póstero-anterior. Constitui, na verdade, uma estrutura dupla, com seu complemento AP (encadeamento ântero-posterior). PA e AP respondem, essencialmente, pela alternância: PA é a inspiração e AP, a expiração. No plano psico-comportamental, PA diz respeito à busca do ideal, à construção da individualidade, à espiritualidade, à expressão artística, à busca do belo, justo e correto, ao insight e, de forma simbólica, à “inspiração”. Está ligada ao aparelho psíquico e, consequentemente, aos transtornos do psiquismo. Seu duplo, AP (a “criança”, o caráter lúdico), é responsável pela adaptabilidade, pela saudável alternância de comportamentos, pela possibilidade de desempenhar diferentes papéis.
A expressão destas estruturas, na relação com o meio ambiente, seja sob forma de extroversão / abertura, ou de introversão / fechamento, se dará pela via do eixo horizontal ou relacional (figura 1), composto respectivamente pelas estruturas PL (póstero-lateral) e AL (ânterolateral). Estas estruturas relacionais formam, com AP, a chamada tríade dinâmica. As dificuldades que Leo enfrenta nas interações sociais refletem um conflito nesta esfera.
Do ponto de vista biomecânico, os conceitos do método GDS sustentam que é somente a partir de uma AM e uma PM bem constituídas que a PA poderá emergir. Assim, tanto o autocrescimento reflexo, necessário para a saúde postural, quanto a possibilidade de perceber o mundo por uma via mais intuitiva, que leva ao insight e à consequente integração dos conceitos, dependem da liberdade de PA(AP). Esta, por sua vez, advém necessariamente de uma sólida estruturação de AM e PM, que estabelecem os pontos fixos mecânicos adequados e o bom enraizamento psicocomportamental.
No caso de Leo, observa-se uma maturação insuficiente na estruturação de AM, que se traduz na sua relação precária com o corpo e o espaço e em suas dificuldades emocionais, características de um desequilíbrio na relação entre as três estruturas do eixo fundamental. A relevância atribuída pela mãe à opinião da família e à popularidade de Leo reforçam a ansiedade e a super valorização da performance intelectual. A carência de uma PM saudável se manifesta na falta de limites no comportamento do menino: não obediência a regras, desrespeito à mãe, a babá e à própria fisioterapeuta, enfim, uma certa dose do
que poderíamos chamar de “má educação”.
Segundo Winnicott , a falha no acolhimento precoce promove as mais variadas perturbações físicas e psíquicas. Como não pretendemos nos aprofundar no estudo dessas falhas, comentaremos, apenas, uma forma particular de reação do bebê a elas, falha essa que o autor denominou atividade anti-social. Neste caso, o objetivo do bebê é cobrar do meio a atenção não recebida, tornando-se, por isso, perito em perturbá-lo. Essas perturbações variam desde uma malestar físico passageiro, até a delinquência franca, percorrendo toda sorte de dificuldades no relacionamento com o outro: tornar-se especialmente bagunceiro, mentiroso, agressivo, bem como apresentar uma série de distúrbios orgânicos. O importante é conquistar a atenção faltosa. Para Winnicott, todavia, na maioria das vezes, o meio cura: os cuidados prodigalizados nessas oportunidades compensam a ausência de continente no tempo devido. Entretanto, em alguns casos,
se foi ultrapassado o espaço de tempo em que o bebê aguarda o cuidado sem desesperar, será
necessário recorrer a algum atendimento especializado. Pensando nas peculiaridades desse caso, recorremos, mais uma vez, a Winnicott. Ele afirma que, diante de um meio pouco confiável, o bebê pode se tornar perito em observá-lo, com a finalidade de decifrá-lo. Torna-se, assim, tão competente em prever os acontecimentos, esmiuçando o rosto da mãe, quanto um marujo em prever o tempo examinando o céu. Sendo assim, o intelecto (pensar / saber) se torna mais importante que o experimentar, dificultando a integração corpo-psiqué. Traçando um paralelo com o método GDS, pode-se dizer que se configura uma
estrutura PM em excesso, sobre uma AM frágil. Vemo-nos às voltas com crianças extremamente capazes intelectualmente que, todavia, evidenciam uma vida afetiva atribulada ou empobrecida.
Eles perdem a genuinidade alcançada com a personalização, chegando mesmo a desenvolver defensivamente uma personalidade “como se”, um falso self. Este falso self esconde, protege o verdadeiro self, de qualquer nova agressão. A agitação e a agressividade podem se manifestar, então, como uma possibilidade de resposta à falha ambiental. De fato, Winnicott liga o conceito de agressão às ideias de atividade e motilidade, sendo fundamental para a estruturação no desenvolvimento emocional. A atividade / motilidade viabiliza a descoberta do meio ambiente, porém, quando o meio ambiente invade o bebê, esta motilidade se manifesta como uma reação à invasão, e não mais como fonte de experiências individuais.
Segundo Struyf, “ao tomar consciência daquilo que o bebê não vivenciou, podemos fornecer-lhe, com precisão, algumas informações complementares. Trata-se de experiências, vivências e sensações que sejam suscetíveis de compensar as faltas”. Para a autora, estas experiências podem ser proporcionadas de inúmeras formas, em qualquer etapa da vida, de maneira concreta ou simbólica. A partir deste pressuposto, desenvolve-se toda uma forma de abordagem terapêutica, que buscará imprimir no corpo vivências positivas, no sentido de permitir ao indivíduo integrar suas sensações e se construir como um ser “existente”. Através de experiências ricas em cada uma das estações dos eixos vertical (AM/PM/PA) e na tríade dinâmica (AL/PL/AP), será possível organizar estas estruturas no corpo e no psiquismo da criança, permitindo uma melhor constituição de sua imagem do corpo e, consequentemente, da sua relação
com o espaço.
Assim, no caso em questão, foi desenvolvido todo um trabalho de reconstrução da estrutura AM, sem perder de vista a necessidade de uma certa contenção PM. É importante deixar claro que, embora AM simbolize a noção de continente, de limites corporais, de contenção do ponto de vista afetivo, se faz necessária uma PM saudável para a contenção social representada pela observação das regras. Este tipo de contenção também confere à criança a sensação de segurança. De fato, a cada vez que a falta de limite no comportamento de Léo tinha como resposta uma atitude mais firme, ou até mesmo severa, por parte da fisioterapeuta, ele se acalmava e o vínculo terapeuta paciente parecia se estreitar. Se, por um lado, se fazia importante a imposição das regras, a escuta e a flexibilidade constituíam, igualmente, uma fonte de experiências positivas, isto é, os limites eram dados, porém sem intransigência. Ao final de cada sessão, era frequente o menino solicitar lápis e papel, para fazer um desenho. É bastante interessante constatar esta necessidade de expressão (PA), depois da construção das duas outras estruturas do eixo fundamental (AM e PM).
A partir de todo este cenário teórico, pode-se descrever uma terapêutica que, em linhas gerais, seguiu um percurso de estimulação da consciência do esqueleto e do contorno corporal, assim como de uma ampliação do repertório de movimento. Para tanto, foram realizadas práticas diversas, especialmente a percussão dos ossos e impressão de sensações sobre a pele (pelo toque direto ou através de objetos). Além disso, procedeu-se a vivências que envolviam a contenção, como, por exemplo, envolver o paciente em mantas e almofadas, criando uma resistência e solicitando que ele se desvencilhasse progressivamente. Este tipo de estratégia aborda diretamente a estrutura AM. Propostas de jogos psicomotores e proprioceptivos, com a utilização de obstáculos em um circuito, também eram recebidos com entusiasmo por Leo, que costumava inclusive solicitá-las ao chegar ao consultório de fisioterapia. Nestes jogos, eram trabalhados conceitos como equilíbrio, adaptabilidade, capacidade de reação, percepção motora, sensibilidade e apoio (“enraizamento”), de uma forma bastante lúdica, tanto com regras bem definidas como permitindo uma certa liberdade criativa. Ou seja, estimulava-se a estrutura PA(AP), com alguns elementosAM e PM.
Embora existam diversos aspectos que poderiam ser discutidos, no que diz respeito à evolução do tratamento de Leo, este artigo pretende fazer um recorte, no que tange à questão da construção da imagem do corpo. Com esta finalidade, será descrito um episódio, que podemos considerar emblemático, sob tal ponto de vista.
Após alguns meses de tratamento, foi realizada uma sessão que, como muitas outras, objetivou a consciência do corpo, com sua estrutura óssea e com a integração de suas diversas partes. Para tanto, procedeu-se primeiramente à percussão de todo o esqueleto. Em seguida, foi realizado um procedimento em terapia manual, em decúbito dorsal, que consistia em um deslizamento sobre a pele, da extremidade de um membro superior à extremidade do membro inferior oposto, invertendo a cada vez o lado, de forma contínua e relativamente vigorosa, passando sempre pela pelve, como centro de referência. De fato, não somente o centro de massa e de gravidade do corpo se localiza na região pélvica, como o método GDS preconiza que a pelve constitui a “encruzilhada” da biomecânica corporal, porta de entrada de tratamento em inúmeras situações. A passagem de tensão entre o lado direito e esquerdo se dá pela via das fibras superficiais dos músculos latíssimo do dorso e glúteo médio contra-lateral (respectivamente cadeias AL e PL), enquanto que, do mesmo lado, ela se dá pelas fibras profundas dos mesmos músculos (cadeia PM) .
No caso de Leo, este procedimento visava construir a sensação de interligação entre as extremidades, que se cruzam na pelve, no sentido de integrar a sensação global do corpo a partir de um centro bem estruturado. Ao final deste trabalho, o menino pediu para fazer um desenho. Tendo recebido, então, lápis
e papel, e ele se pôs a desenhar partes de um corpo: cabeça, tronco com membros superiores e membros inferiores. A fisioterapeuta logo percebeu que as partes estavam separadas. Foi surpreendida, entretanto, pela continuação: Leo, com seu fascínio pela matemática, incluiu, entre os segmentos, o sinal de adição. Em seguida, ao lado, colocou o sinal de “igual” e, finalmente, desenhou a figura completa, testemunha da sua inédita integração da imagem do corpo.
Leo concluiu sua obra escrevendo o nome da fisioterapeuta diversas vezes, tornando-a cúmplice da sua conquista. Com o desenrolar do tratamento, ao longo de quase um ano, Leo tornou-se
progressivamente mais calmo, menos refratário à aceitação de regras, melhor coordenado do ponto de vista motor, mais comunicativo. Infelizmente, a mãe interrompeu o processo precocemente.
Aliás, a psicoterapia também foi descontinuada na mesma época, como tantos outros tratamentos precedentes. A análise desta particularidade não cabe, entretanto, no escopo deste estudo que, como
mencionado anteriormente, pretende se ater ao recorte preciso da questão da imagem do corpo. Leo teria, contudo, um longo caminho a percorrer ainda, que talvez possa ser retomado em outras
terapias futuras.
Este episódio ilustra de maneira singular a importância de um trabalho corporal que contemple a criança de forma integral, sem desvincular os múltiplos aspectos envolvidos. O método GDS propõe uma abordagem que leva em conta o psiquismo e o comportamento, mesmo que a queixa primária seja “apenas” motora. No caso descrito neste estudo, a constatação da falha no desenvolvimento psicomotor levou a estratégias de tratamento que buscaram a reprogramação das estruturas básicas na construção do indivíduo, ou seja, das estruturas / cadeias do eixo vertical ou da personalidade. Todo este contexto permite refletir sobre o papel do fisioterapeuta frente a pacientes que apresentem dificuldades de ordem psico-comportamental, indissociavelmente ligadas a questões motoras. Os resultados obtidos apontam para a relevância de se adotar métodos fisioterapêuticos mais globalistas – como é o caso do método GDS – no tratamento de tais pacientes.
Fonte:
- Renata U.; Aida U. Uma abordagem sobre a construção da imagem do corpo na criança a partir do método GDS de cadeias musculares.