terça-feira, 26 de junho de 2012

Morfologia e clínica da casa de força




A prática segura do Pilates, fundamentada cientificamente, pode prevenir  possíveis desconfortos lombares e promover uma melhor qualidade de vida. Diante dessa perspectiva, o presente estudo objetiva embasar  cientificamente os aspectos morfológicos, biomecânicos e clínicos envolvidos no controle da casa de força. Seus componentes musculares podem ser classificados como estabilizadores ou mobilizadores de acordo com aspectos anatômicos, fisiológicos e biomecânicos. 
Estes músculos compõem o sistema ativo de estabilização lombar, o que explica a importância da ativação da casa de força na prática do Pilates para manutenção da estabilização do tronco assim como a melhora ou prevenção de desequilíbrios musculares desta região. 
Por meio da base de dados do sistema Medline, foram pesquisados publicações periódicas e artigos indexados na área de saúde nos últimos dezessete anos. O levantamento bibliográfico através de livros textos refere-se às publicações atualizadas da literatura especializada. 
Novos trabalhos devem ser produzidos no intuito de enriquecer o método com bases teóricas e científicas sólidas. Dentre as diversas práticas de treinamento resistido, o Método Pilates surge como forma de proporcionar força, flexibilidade, controle postural, consciência e percepção do movimento. Está baseado em fundamentos anatômicos, fisiológicos, biomecânicos e possui seis princípios básicos que devem ser respeitados para sua correta aplicação. São eles: a respiração, a concentração, o controle, a precisão, a casa de força e o movimento fluido. 
O controle da respiração possibilita a organização do tronco através do recrutamento dos músculos estabilizadores da coluna vertebral e da cintura pélvica favorecendo o relaxamento dos músculos inspiratórios acessórios. Respirar corretamente nutre o corpo, elimina toxinas, contribui para melhorar a concentração e aliviar a tensão muscular. Existe um padrão de respiração que acompanha cada exercício. Os objetivos são diminuir o ritmo da respiração, aumentar sua profundidade e unir respiração ao movimento.
A total concentração da mente em relação ao movimento executado otimiza a percepção consciente da posição e dos movimentos das diferentes partes do corpo, consciência cinestésica favorecendo o controle do movimento. Este pode ser definido como o entendimento da atividade motora de agonistas primários em uma ação específica e caracteriza-se pela atividade consciente dos músculos envolvidos no movimento. Pilates chamou isto de Contrology (Contrologia), definida como a correta aplicação dos princípios das forças que atuam no corpo, com o conhecimento dos mecanismos funcionais e o entendimento dos princípios de equilíbrio e gravidade aplicados em cada movimento. 
A precisão de execução é empregada para melhorar a qualidade do movimento, fundamental para o treinamento do alinhamento postural. A precisão ajuda a combater padrões de movimento indesejados e diminuir o risco de lesões.
A casa de força constitui o pilar fundamental do método, uma vez que é composta pelos músculos que estabilizam a coluna vertebral e os órgãos internos. Pode ser denominada Cinturão de Força ou Powerhouse e se estende desde a base das costelas até a região inferior da pelve. O controle do centro de força proporciona a estabilização do tronco e alinhamento biomecânico com menor gasto energético.
A união dos princípios supracitados conduz ao último princípio fluidez do movimento ou integração de movimento que pode ser entendido como um movimento coordenado e com uma dinâmica específica. Segundo Romana Kryzanowska, o Método Pilates pode ser descrito como “um movimento fluído que emerge de um forte centro de força”. São movimentos contínuos e leves que absorvem de maneira suave o impacto.
Atualmente, observa-se grande difusão e aumento do número de adeptos do Método Pilates em todo o mundo, entretanto, há uma nítida carência de evidências científicas. Diante dessa perspectiva, o presente estudo de revisão bibliográfica objetiva embasar cientificamente os aspectos morfológicos, biomecânicos e clínicos envolvidos num dos princípios fundamentais do Método Pilates, o controle da casa de força. Por meio da base de dados do sistema Medline, foram pesquisados publicações periódicas e artigos indexados na área de saúde nos últimos dezessete anos, nas línguas português e inglês. O levantamento bibliográfico, realizado através de livros textos, refere-se às publicações atualizadas da literatura  especializada. No Medline, palavras-chave como powerhouse, postural control, contrology, balance, pelvic floor, abdominal muscles, transversus abdominis, diaphragm, trunk stability, respiratory muscles e suas similares em português, foram usadas isoladamente e em combinação na pesquisa. Após a análise do material bibliográfico, foram selecionados apenas os artigos de maior relevância para o objetivo proposto. 
Estabilização do tronco, A “Casa de Força” ou “Centro”
A casa de força é composta por cinco grandes grupos musculares de acordo com a região onde se encontram. São citados e descritos como músculos da região abdominal, o reto, o transverso e os oblíquos internos e externos do abdome. Constituindo a parede abdominal posterior ou região lombar são descritos os eretores e os transversos espinhais, os multífidos e o quadrado lombar. O grupamento extensor do quadril é composto pelos músculos glúteo máximo, isquiostibiais e a porção extensora do adutor magno. Os flexores do quadril compreendem os músculos iliopsoas, retofemoral, sartório e tensor da fáscia lata. A região do assoalho pélvico abrange os músculos transversos superficial e profundo do períneo, e o levantador do ânus que compreende as porções iliococcígea, pubococcígea e puborretal. Existem evidências de que os músculos do assoalho pélvico, o transverso abdominal (TrA) e o diafragma, quando co-ativados geram tensão nos elementos constituintes da casa de força, reforçando a função do controle postural da coluna vertebral. 
De acordo com suas características anatômicas, biomecânicas e fisiológicas, os músculos podem ser divididos em duas categorias: estabilizadores ou tônicos e mobilizadores ou fásicos.
Pesquisadores classificam os músculos em estabilizadores globais, estabilizadores locais e mobilizadores. 
Os estabilizadores são descritos como monoarticulares, profundos de contração excêntrica para o controle de movimento. Os mobilizadores são biarticulares ou multissegmentais, superficiais e trabalham essencialmente para aceleração do movimento e produção de força. O reto abdominal e as fibras laterais do oblíquo externo podem ser considerados como os principais mobilizadores, enquanto os oblíquos internos e o TrA são os maiores estabilizadores dos movimentos do tronco. Os estabilizadores primários são os músculos que não produzem movimento articular significativo, como os multífidos e o TrA. Os estabilizadores secundários, tais como os oblíquos internos têm uma excelente capacidade estabilizadora, mas, além disso, produzem movimento articular.
Os músculos que contribuem para a estabilização da cintura pélvica são divididos em dois grupos importantes: unidade interna e unidade externa. Os músculos da unidade interna abrangem os multífidos, o TrA, o diafragma e a musculatura do assoalho pélvico. 
Resultados de pesquisa recente fornecem evidências que os músculos diafragma e TrA, através de ações contínuas, contribuem para o controle da respiração e da postura. O diafragma intervém no domínio estático e dinâmico do tronco através da fixação do seu centro tendíneo, que age sobre a dobradiça toracolombar (T11, T12, L1, L2) permitindo o tensionamento dos músculos espinhais provocando aumento da lordose lombar. O TrA comprime a massa visceral contra os corpos vertebrais corrigindo a lordose. A contração simultânea diafragma-abdominais mantém a geometria abdominal.
Estudos demonstram que quando os músculos abdominais são fortemente recrutados, toda musculatura do assoalho pélvico é acionada. O pubococcígeo tende a contrair sinergicamente com o TrA; o iliococcígeo e o isquiococcígeo, com os oblíquos abdominais. Acredita-se que o reto abdominal esteja associado ao puborretal. A contração bilateral do iliococcígeo e do isquiococcígeo leva a contranutação do sacro; a contração do multífido leva a nutação do sacro. Juntos, o levantador do ânus e o multífido atuam como um par de forças para controlar a posição do sacro.
Quatro sistemas compõem a unidade externa: oblíquo posterior, oblíquo anterior, oblíquo lateral e longitudinal profundo. O sistema oblíquo posterior abrange os músculos grande dorsal, glúteo máximo e a fáscia toracodorsal interposta. Contribui de forma significativa para a transferência de carga através da cintura pélvica durante atividades de rotação do tronco e durante a marcha. As fibras inferiores do glúteo máximo auxiliam na extensão do tronco principalmente durante atividades vigorosas, tais como correr, saltar ou subir escadas. Esse músculo liga-se extensivamente à cintura pélvica, mesclando-se com o multífido ipsilateral através das lâminas superficiais da fáscia toracodorsal. A fáscia toracodorsal representa uma estrutura importante em relação à transferência de carga do tronco para os membros inferiores. 
Vários músculos responsáveis pela estabilização da cintura pélvica se ligam a essa fáscia e podem afetar a tensão no seu interior. Entre eles estão os músculos TrA, oblíquo interno, glúteo máximo, grande dorsal, eretor espinhal, multífido e bíceps femoral .
O sistema oblíquo anterior é formado pelos músculos oblíquos abdominais, adutores contralaterais do quadril e a fáscia abdominal anterior interposta. O sistema oblíquo lateral abrange os músculos glúteo médio e mínimo e os adutores contralaterais do quadril. Esses músculos são essenciais à função da cintura pélvica na posição ortostática e durante a marcha.O sistema longitudinal profundo inclui o eretor da espinha, a lâmina profunda da fáscia toracodorsal, o ligamento sacrotuberal e o músculo bíceps femoral. O bíceps femoral pode controlar o grau de nutação do sacro através das suas conexões com o ligamento sacrotuberal. 

Sistemas de estabilização lombar

Os discos intervertebrais, articulações zigapofi sárias e ligamentos constituem o sistema passivo. Os músculos e tendões adjacentes e atuantes na coluna vertebral compõem o sistema ativo. O sistema neural compreende os sistemas nervoso central e periférico que direcionam e controlam a atividade neuromotora, promovendo a estabilização dinâmica.
O modelo biomecânico proposto por Bergmark apud Hodges para manutenção da estabilidade lombar classifica os músculos como locais e globais. Os músculos locais são os multífidos, psoas maior, quadrado lombar, TrA e o diafragma que estão ligados às vértebras lombares diretamente e detém a habilidade de influenciar o controle inter-segmental. 
Os músculos globais, reto abdominal, oblíquo interno e oblíquo externo agem como acessórios ligados ao tórax e à pelve e têm a capacidade de controlar as forças externas que atuam na coluna vertebral.
Os multífidos têm como função auxiliar na extensão e flexão lateral da coluna vertebral ligando-se à lâmina profunda da fáscia toracodorsal na sutura que a separa do músculo glúteo máximo. As interconexões dos multífidos facilitam sua contribuição para a estabilidade da região lombar e da pelve.
O músculo reto abdominal é responsável pela flexão anterior do tronco, tracionando as costelas em direção à pelve; em conjunto com outros músculos abdominais, desempenha importante papel no controle postural. Os músculos oblíquos internos e externos são chamados de “cinturão natural” do corpo. Eles também são responsáveis pela flexão lateral e pela rotação da coluna vertebral.
Em estudo atual foi observada a ocorrência de dor nos músculos posteriores da coxa durante exercícios isométricos do tronco realizados até a exaustão, demonstrando o importante papel dos músculos extensores do quadril em auxiliar indiretamente os eretores espinhais na estabilização lombar e na prevenção de dor nesse segmento vertebral. 
A estabilização muscular ineficiente da coluna lombar resulta em aumento do risco de danos. Essa incapacidade pode ser resultante de desequilíbrios musculares caracterizados pelo encurtamento dos músculos eretores espinhais, flexores do quadril e a fraqueza dos abdominais e extensores do quadril. Para neutralizar as forças incidentes sobre as curvaturas da coluna vertebral, torna-se necessário o alongamento dos músculos eretores espinhais e flexores do quadril e o fortalecimento dos abdominais e dos extensores do quadril, promovendo melhor equilíbrio muscular.
Estudos demonstram que pacientes com dor lombar têm significante diminuição da força dos músculos estabilizadores e mobilizadores, determinantes da postura e movimentação da coluna lombar, além de redução da acuidade proprioceptiva e conseqüente dificuldade na percepção dos movimentos articulares. Desta feita, a execução de movimentos não fisiológicos predispõe às lesões na coluna vertebral. 
Dentro desta perspectiva, alguns estudos observaram alterações proprioceptivas durante o ato de sentar, na posição ortostática e de quatro apoios.
A fadiga dos músculos lombares interfere na habilidade de detectar a estática e a dinâmica da coluna lombar. Estudos fornecem evidências de que a coordenação dos músculos do tronco está alterada em pessoas com história de dor lombar, mesmo quando assintomáticas. Portanto, é importante considerar que estes indivíduos podem apresentar um risco maior de lesão pela estabilização muscular inadequada da coluna vertebral. Após episódio de dor lombar ocorre rápida e permanente atrofia dos músculos eretores espinhais. Todavia, através de exercícios de resistência isométrica é possível reverter a atrofia e reduzir recorrência da dor lombar.
Estudos indicam que o treinamento de resistência muscular dos extensores do tronco reduz a dor e melhora a função muscular em sujeitos com dor lombar subaguda e que o alongamento dos músculos paravertebrais é essencial para um posicionamento adequado da pelve e da coluna lombossacra na posição sentada.
De acordo com alguns autores o método Pilates deve ser preconizado no tratamento das disfunções do assoalho pélvico e na promoção da estabilidade do tronco. Uma vez que os controles iniciais do movimento da coluna vertebral são atingidos, alguns autores propuseram que Pilates é o método chave para manter e progredir a estabilização através de movimentos mais dinâmicos e funcionais.
Pesquisas comprovam que o método Pilates é eficiente no fortalecimento da musculatura do tronco, diminuindo desequilíbrios entre músculos extensores e flexores do tronco e reduzindo a probabilidade de lesões durante o exercício.
Investigando a atividade dos músculos abdominais superficiais, reto abdominal, oblíquo externo e reto femoral através de eletromiografia (EMG) durante exercícios de Pilates, verificou recrutamento significativo desses músculos, comprovando a eficácia do método na ativação da musculatura estabilizadora do tronco. 
A contração do músculo TrA em pessoas treinadas com Pilates, abdominais convencionais e grupo controle; concluiu que os exercícios preconizados pelo método proporcionam aumento da atividade profunda dos músculos abdominais e promovem manutenção do controle lombo-pélvico.
Estudos atuais comprovam a eficácia do Método Pilates na redução da dor lombar crônica através da ativação específica dos músculos estabilizadores da região lombo-pélvica.

Conclusão

Diante da análise feita neste estudo, observamos a importância de aprofundar o conhecimento sobre os aspectos morfofuncionais da casa de força, a fim de entender a relevância clínica deste princípio do Método Pilates no controle do equilíbrio da musculatura do tronco, diminuição da dor e melhora da função muscular. A prática segura dos exercícios preconizados por Pilates, fundamentada cientificamente, pode prevenir possíveis desconfortos lombares e promover integração mente-corpo, respeitando a singularidade e os limites de cada praticante e estabelecendo uma melhor qualidade de vida. É importante salientar que a aplicação clínica é ampla, desde que haja indicação adequada e participação ativa e consciente na execução dos exercícios. Todavia, novos trabalhos devem ser produzidos no intuito de enriquecer o método com bases teóricas e científicas sólidas.

Fonte:
  • Clinical and morpho functional aspects of the Pilates powerhouse method. Revista Fisioterapia Brasil, vol. 10, núm. 01, pag. 54.
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